terça-feira, 14 de outubro de 2014

Dez minutos

Dez minutos 




Menos que um quarto de hora, dez minutos ou seiscentos segundos. O decorrer do tempo passa em função da necessidade que temos do tempo, em função de como encaramos o tempo. Dez minutos podem representar os únicos e pequenos, dez breves momentos, como também podem representar os infindáveis seiscentos segundos.

Dez horas podem representar o tempo de dez badaladas, tocadas por alguns minutos, em menos que dez minutos. Badaladas soadas em um sino de igreja, para a audição de alguém que more em uma cidade do interior. As dez badaladas que acontecem depois de outros nove intervalos iguais, que foram iniciados com apenas uma badalada do sino. E quando o sino da igreja tocar o indicativo de dez horas, as dez badaladas, aquele que toca o sino já terá feito mais de cinquenta vezes o mesmo gesto, o gesto exaustivo e repetitivo de tocar um sino. Quem toca o sino não acompanha a procissão. 

Quem mora em uma cidade grande tem a opção de escolher o tempo. Pode seguir o tempo de uma igreja próxima, ou contar os segundos de um relógio digital. É uma questão de livre escolha o tempo, entre o badalar dos sinos, o tic tac dos analógicos ou o barulho imperceptível dos digitais. A vida e o tempo estão nas mãos.

Quem não tem lenha para rachar, não tem fogão á lenha para acender, não tem coador de pano para lavar e secar, e não tem água para esperar ferver; precisa criar outras estratégias para preparar ou tomar um café. 

Quem não tem dez minutos para preparar uma cafeteira, simplesmente colocando pó de café e água, ligar, e aguardar os minutos restantes para terminar. Terá que sair de casa sem tomar café, e talvez parar desesperadamente em um local que possa oferecer um café pronto. Tomará o café sem saber quando foi preparado, e por quem foi preparado. Não sentirá o aroma do pó e o aroma do preparo. O ato de cozinhar é um ato perigoso, quem mexe com fogo pode se queimar ou queimar alguém.

Quem não tem dez minutos para em uma manhã, ir até a padaria comprar pão, terá que sair de casa sem tomar café e sem comer um pão fresco. Perderá o momento do sabor e do aroma. Um momento de saberes e sabores. O momento de sentir o aroma e o sabor do café. E do pão quente, derretendo a manteiga passada sobre ele. O momento de imaginar uma vida em uma fazenda, com produtos frescos sobre a mesa no frescor da manhã. O momento de um backup fisiológico e cerebral, antes do dia começar. 

Quem não tem dez minutos para sair de casa e ir andando até a estação de metro mais próxima, terá que sair desesperadamente com o carro da garagem e seguir solitário pelas ruas engarrafadas até o seu destino. 

Quem não tem tempo de pegar um metro ou ônibus, não terá dez minutos para observar quem está sentado ao seu lado. Quem não tem tempo de voltar para casa, depois do trabalho, chegara a uma casa, com ares e lugares de uma extensão do trabalho, mesmo sendo sua casa.

Quem não tem tempo, dez minutos que sejam, para ouvir alguém, não terá tempo para se escutar. Quem não tem tempo para olhar para alguém, ainda que só dez minutos, não terá tempo para se auscultar. Quem não tem tempo para os outros, não terá tempo para se observar. Aquele que se coloca em sua frente, pode ser o espelho, que reflete seus comportamentos.

Dez minutos não é um tempo suficiente para escrever um texto. Dez horas são excessivas para se trabalhar. É preciso mais que dez minutos para colocar sobre a linha de escrever: uma letra maiúscula e um ponto final. E depois ir colocando as ideias no meio. Mas dez minutos é um tempo mais que suficiente para enviar uma mensagem. E um segundo é suficiente para mudar tudo para sempre.

Quem não tem dez minutos para ler e interpretar um texto poderá dar um salto em um segundo, e levantar dizendo que o texto é uma critica a sua falta de tempo.  



http://www.publikador.com/analises/maracaja/2014/10/dez-minutos/

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